Fisiologia do Exercício - Ponto de Vista
Novos neurônios
| Autor: Paulo Gentil
Graduado em Educação Física pela Universidade de Brasília.
Pós-graduado em Musculação e Treinamento de Força pela Gama Filho e em Fisiologia do Exercício pela Veiga de Almeida.
Presidente do Gease
Coordenador de musculação da Academia Resistência Física
Treinador de força da triatleta Mariana Ohata
Treinador da equipe profissional do Gama de basquete |
Sabemos que a prática regular de atividades físicas leva ao melhor funcionamento do organismo, produzindo músculos mais fortes, ossos mais resistentes, coração mais eficiente... enfim, um corpo mais saudável. Apesar de ainda haver um longo caminho pela frente, já existem muitas pesquisas nestas áreas (ortopedia, reumatologia, cardiologia...) e muitas pessoas trabalhando nos temas, mas eu creio que o futuro nos reserva surpresas em um outro campo: a neurologia.
Nascimento de neurônios (neurogênese)
A opinião corrente - e dogmática - é que não há nascimento de novos neurônios em humanos adultos, teoria corroborada por Pasko Rakic, da Universidade de Yale, que afirmou em artigo publicado na revista Science que a neurogênese não ocorre no cérebro de primatas (RAKIC, 1985). Desde então a estabilidade do número de neurônios é usada para explicar o processo de aprendizagem contínua e memória (RAKIC, 1985), além de justificar a inevitável degradação das funções nervosas com o avanço da idade, a qual seria causada pela morte de neurônios que não seriam mais repostos.
Mas esta teoria não é aceita por todos. Um grupo de pesquisadores liderados por Elizabeth Gould usou técnicas mais recentes e mostrou que o nascimento de novas células nervosas era sim possível em primatas adultos (GOULD et al, 1998 GOULD et al, 1999). O mais importante é que os novos neurônios foram encontrados em locais supostamente responsáveis por funções complexas, como memória, tomada de decisões e reconhecimento de formas.
O antigo dogma já vinha sendo desmantelado aos poucos, porém supunha-se que a neurogênese somente seria possível em locais menos evoluídos do cérebro. Por isso, os estudos de GOULD foram revolucionários, se referem à área mais complexa: o córtex.
Alguns cientistas, porém, não são tão otimistas. Mais recentemente, um trabalho de David Kornack, e Pasko de Rakic, encontrou resultados diversos de Gould, a dupla usou os mesmos métodos de análise que a equipe de Elizabeth e encontraram novos neurônios somente no bulbo olfativo, responsável pelo olfato, e no hipocampo, responsável pela memória de curto prazo, sem verificar a neurogênese no neocortex, afirmando que as células novas ali encontradas não eram neurônios (KORNACK & RAKIC, 2001).
Apesar da questão não ter fim definido, é inevitável inclinar-se a acreditar nos resultados de GOULD. Suas descobertas trazem esperanças para o tratamento de lesões e doenças degenerativas, como o mal de Alzheimer, além de criar expectativas para o combate de males associados ao avanço da idade. A própria fundação da antiga crença é baseada em um paradigma ultrapassado, tipicamente cartesiano, a questão era: se a memória é permanente e o córtex é responsável por ela, então o córtex deveria ser fisicamente imutável.
Os resultados controversos destes estudos geraram e ainda vão gerar muitas brigas e choques de egos, com ambos os grupos fortemente agarrados às suas idéias. Porém, longe da luta, há muitos pontos que podem nos interessar.
Nossa maneira de encarar a realidade
Estas novas células participam de funções cerebrais importantes e sua perda e nascimento parecem ser relacionados aos desafios cognitivos enfrentados (KEMPERMANN et al, 1997; SHORS et al, 2001; GOULD et al, 2000). Não podemos, portanto, ser deterministas, nem rotular pessoas por sua maior ou menor capacidade para determinada tarefa. Muito menos desprezar os idosos, como se estivessem fadados a uma inevitável e irreversível perda das funções nervosas.
Todos podem se desenvolver se estimulados adequadamente! Mais do que nunca, afirma-se que somos produtos de nossa interação com o meio, nosso desenvolvimento depende tanto das oportunidades que nos são dadas quanto de nossa maneira de encarar estas oportunidades, a qualquer tempo e em qualquer idade.
A cada fração de segundo, o mundo nos oferece milhões de desafios, a escolha é nossa: se vamos usar nossas cabeças e analisar criticamente o meio (e possivelmente ter mais neurônios) ou ligar a televisão e "relaxar".
O papel do estresse
Em um estudo de GOULD fez-se um teste denominado "Paradigma do residente-intruso", onde um macaco macho adulto, criado em cela individual, é colocado na cela de outro adulto, resultando em encontro agressivo e posição de subordinação do "intruso" em relação ao "residente". Foi verificado que após uma única sessão de 1 hora deste (cruel) teste o número de células proliferadoras nestes animais caía significativamente em relação a animais não estressados. Ou seja, situações de estresse influenciam negativamente no nascimento de novos neurônios (GOULD et al, 1998).
O papel negativo do estresse foi confirmado por diversos outros estudos, como o de TANAPAT et al (2001), onde ratos eram expostos ao odor de fezes de raposa. Uma revisão de GOULD & TANAPAT (1999) atribui o efeito do estresse às alterações bioquímicas específicas, como a elevação da adrenalina e dos corticosteróides.
Atividade física e novos neurônios
Com as descobertas feitas em Princeton, é tentador achar que podemos combater lesões e degenerações do sistema nervoso com as atividades físicas. Além de todos os benefícios conhecidos, comprovaria-se mais um: a saúde neurológica. Nesta linha destaca-se o estudo recente do grupo de JOSÉ LUIZ TREVO, onde foi verificado que o exercício em ratos estimula a absorção pelo cérebro do fator de crescimento IGF-1, que teria efeito neurotrófico.
Mas deve-se ter cuidado e responsabilidade ao entrar em um programa de atividades físicas com este objetivo. Lembre-se que o estresse é antagonista da neurogênese e que a atividades física tem tanto seu lado estressante, quanto estimulante.
Um programa com potencial de promover o bom funcionamento neurológico deve ser responsavelmente equilibrado para que as alterações bioquímicas sejam as mais favoráveis possíveis.
Conclusões
Ocorrendo ou não a gênese de novos neurônios em seres humanos, ficam três importantes dicas para se ter uma boa saúde do sistema nervoso:
- Pense!
- Reduza o estresse!
- Exercite-se!
Referência Bibliográfica
GOULD E, REEVES AJ, GRAZIANO MS, GROSS CG. Neurogenesis in the neocortex of adult primates. Science 1999 Oct 15;286(5439):548-52.
GOULD E, TANAPAT P. Stress and hippocampal neurogenesis. Biol Psychiatry 1999 Dec 1;46(11):1472-9.
GOULD E, TANAPAT P, MCEWEN BS, FLUGGE G, FUCHS E. Proliferation of granule cell precursors in the dentate gyrus of adult monkeys is diminished by stress. Proc Natl Acad Sci U S A 1998 Mar 17;95(6):3168-71.
JOSÉ LUIS TREJO, EVA CARRO & IGNACIO TORRES-ALEMÁN. Circulating Insulin-Like Growth Factor I mediates Exercise-Induced Increases in the Number of New Neurons in the Adult Hippocampus Journal of Neuroscience, March 1, 2001, 21(5):1628-1634
KEMPERMANN G, KUHN HG, GAGE FH. More hippocampal neurons in adult mice living in an enriched environment. Nature 1997 Apr 3;386(6624):493-5.
KORNACK DR, RAKIC P. Cell proliferation without neurogenesis in adult primate neocortex. Science 2001 Dec 7;294(5549):2127-30.
RAKIC, P Limits of neurogenesis in primates. Science, 227:1054-6, 1985
SHORS TJ, MIESEGAES G, BEYLIN A, ZHAO M, RYDEL T, GOULD E. Neurogenesis in the adult is involved in the formation of trace memories. Nature 2001 Mar 15;410(6826):372-6 Erratum in: Nature 2001 Dec 20-27;414(6866):938.
TANAPAT P, HASTINGS NB, RYDEL TA, GALEA LA, GOULD E. Exposure to fox odor inhibits cell proliferation in the hippocampus of adult rats via an adrenal hormone-dependent mechanism. J Comp Neurol 2001 Sep 3;437(4):496-504. |