Neurogênese e Plasticidade Neural (N. 21) Parceria: O Porta-Voz e Painel do Coronel
sábado, 19 de outubro de 2013
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Neurogênese: podemos forçar o cérebro a se regenerar?
Pesquisas recentes indicam que o cérebro guarda células que poderiam ser usadas no combate a doenças neurológicas e danos causados por acidentes.
- Estudos recentes indicam que o cérebro pode ser capaz de se regenerar (Fonte da imagem: ThinkStock)
Até o século passado, tínhamos convicção de que a neurogênese ― ou seja, o processo de geração de neurônios ― estava restrita ao tempo em que os animais permaneciam no útero de suas progenitoras. Um bom indício que comprova essa teoria é a capacidade limitada que seres humanos possuem de se recuperar de derrames ou danos neurológicos causados por acidentes.
Porém, com o passar do tempo, novas pesquisas encontraram indícios de que o cérebro de outros animais adultos podia se regenerar. Esse é o caso, por exemplo, dos canários. Um estudo publicado em 1980 por Fernando Nottebohm, da Universidade Rockefeller, em Nova York, demonstra que, durante o outono, esses pássaros regeneram as células cerebrais que perdem durante o inverno.
Na ocasião, a descoberta causou certo furor na comunidade científica, já que, de acordo com o artigo “Fantasy Fix”, publicado na revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012, isso pode renovar as esperanças de quem precisa de um tratamento mais eficaz para doenças como o Mal de Parkinson. Apesar de alguns neurocientistas afirmarem que isso não acontece com humanos adultos, outros se sentiram inspirados o suficiente para buscar por um processo semelhante em nossa espécie.
Em 1992, os pesquisadores Samuel Weiss e Brent Reynolds, da Universidade de Calgary, em Alberta, Canadá, isolaram células do cérebro de camundongos que possuíam características semelhantes às de células-troncos. Manipuladas em laboratórios, essas células deram origem a novos neurônios e também a outros tipos de células do cérebro.
Na natureza, essas “células-mães” funcionam de maneira similar. Fred Gage, do Instituto Salk, na Califórnia, descobriu que a mesma substância adicionada a elas em laboratório está também presente no DNA desses mamíferos. Além disso, a equipe de Gage detectou a presença de proteínas produzidas apenas por neurônios “recém-nascidos”.
Graças a esse tipo de pesquisa, foi constatado que, em ratos adultos, a neurogênese acontece em cavidades cerebrais preenchidas com líquido cerebroespinhal. Curiosamente, o sistema nervoso começa a se desenvolver de maneira semelhante, na forma de um tubo vazio que se estende pelas “costas” do embrião. É a partir dele que os neurônios recém-formados criam, posteriormente, o cérebro e a medula espinhal.
E não são apenas ratos que apresentam evidências neurogêneses. No fim dos anos 90, foi descoberto que macacos adultos também geram novas células no hipocampo, região do cérebro considerada como a “sede da memória”. Obviamente, macacos são muito mais parecidos com humanos do que os ratos e, portanto, na época, essa notícia foi constatada com muito otimismo.
A grande notícia veio quando a equipe de Gage pôde analisar os cérebros de cinco pessoas que tiveram câncer. Enquanto esses pacientes estavam vivos, os pesquisadores tiveram que injetar bromodeoxiuridina (BrdU), uma substância usada para detectar a proliferação de células em tecidos vivos, sendo muito útil para realçar tumores e permitir que os médicos visualizem melhor o estágio da doença. O interessante é que, após a morte desses pacientes, a BrdU foi detectada no hipocampo de todos os pacientes, sugerindo, portanto, que havia geração de novas células naquela região.
A descoberta se alastrou pelo mundo todo com muito otimismo, já que, a princípio, parece que o cérebro é muito mais adaptável a situações adversas do que a comunidade científica acreditava. Infelizmente, uma experiência como essa ainda não foi repetida. Porém, outras atestam o mesmo resultado.
O Gerd Kempermann, do Centro de Terapias Regenerativas de Dresden, na Alemanha, realizou uma pesquisa com 15 anticorpos diferentes, usados para detectar determinadas proteínas produzidas por neurônios recém-criados. Foram analisados os cérebros de 54 pessoas que morreram quando estavam perto de completar 100 anos de idade.
Ilustração de um neurônio (Fonte da imagem: ThinkStock)
Surpreendentemente, o resultado foi similar ao obtido anteriormente com cobaias de laboratório: a presença de indicativos evidenciando que novas células estavam sendo geradas no hipocampo. Em entrevista para a revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012, o Dr. Kempermann afirmou que apesar de a geração de células diminuir na medida em que a pessoa envelhece, é possível perceber essa atividade mesmo em seres humanos de idade avançada.
Além disso, também foi possível detectar a presença de células-tronco no cérebro do Homo sapiens. Essa descoberta só foi possível graças a pacientes que recorreram a uma cirurgia para tratar crises epilépticas. O tratamento consiste, basicamente, na remoção de partes do cérebro onde se originam essas convulsões, que normalmente se dão ao redor do hipocampo.
Assim, foi possível isolar o que pareciam ser células-tronco localizadas nessas amostras removidas. Apesar de essas células terem capacidade limitada de crescimento em laboratório, elas possuem a capacidade de gerar novos neurônios. Para os neurocientistas, isso é uma ótima notícia, já que esse “reservatório” de células poderia ser explorado para tratar derrames e doenças como as de Parkinson e de Alzheimer.
Como já era de se esperar, alguns cientistas se opõem à ideia de que a neurogênese seja possível em seres humanos adultos. Em um artigo publicado na revista Nature (vol. 478; pág. 333), o famoso neurocientista Pasko Rakic afirma que os dados encontrados em experimentos com camundongos não podem ser aplicados aos humanos.
Como se não bastasse, Rakic afirma que o uso de BrdU em experimentos como esses não é confiável, já que a substância pode induzir a divisão celular. Por isso, muitos testes agora são feitos com anticorpos que identificam proteínas geradas por neurônios novos, mas ainda não há um consenso quanto a quais proteínas podem identificar, com confiabilidade, a presença de neurônios recém-criados. Além disso, os experimentos que constataram a presença de neurogênese em macacos foram feitos apenas com BrdU.
Grosso modo, os cientistas que ainda veem a neurogênese com dúvida resumem a situação dizendo que não existem evidências de que tal fenômeno aconteça no córtex cerebral, que há evidências contraditórias para o caso do nascimento de novos neurônios no bulbo olfatório ― região do cérebro responsável pelos cheiros que sentimos ― e que as provas são limitadas no caso do hipocampo, cuja neurogênese parece diminuir à medida que a idade aumenta e não se sabe, ao certo, se a quantidade disponível poderia ser útil de alguma forma.
Pode ser que seja verdade a velha ideia de que o cérebro humano adulto não pode se regenerar. De acordo com Rakic e outros cientistas, é muito provável que, com uma idade avançada, nosso cérebro seja mais estável do que adaptável. Porém, mesmo assim haveria esperança para os pacientes com doenças ou lesões neurais: transplantar neurônios gerados em laboratório para o cérebro do paciente.
Infelizmente, a humanidade ainda tem um longo caminho para percorrer até que essas técnicas cheguem aos hospitais e clínicas do mundo todo. Mas é importante saber que já estamos dando os primeiros passos para que isso se torne realidade
Porém, com o passar do tempo, novas pesquisas encontraram indícios de que o cérebro de outros animais adultos podia se regenerar. Esse é o caso, por exemplo, dos canários. Um estudo publicado em 1980 por Fernando Nottebohm, da Universidade Rockefeller, em Nova York, demonstra que, durante o outono, esses pássaros regeneram as células cerebrais que perdem durante o inverno.
Na ocasião, a descoberta causou certo furor na comunidade científica, já que, de acordo com o artigo “Fantasy Fix”, publicado na revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012, isso pode renovar as esperanças de quem precisa de um tratamento mais eficaz para doenças como o Mal de Parkinson. Apesar de alguns neurocientistas afirmarem que isso não acontece com humanos adultos, outros se sentiram inspirados o suficiente para buscar por um processo semelhante em nossa espécie.
Regeneração cerebral em mamíferos
(Fonte da imagem: ThinkStock)Em 1992, os pesquisadores Samuel Weiss e Brent Reynolds, da Universidade de Calgary, em Alberta, Canadá, isolaram células do cérebro de camundongos que possuíam características semelhantes às de células-troncos. Manipuladas em laboratórios, essas células deram origem a novos neurônios e também a outros tipos de células do cérebro.
Na natureza, essas “células-mães” funcionam de maneira similar. Fred Gage, do Instituto Salk, na Califórnia, descobriu que a mesma substância adicionada a elas em laboratório está também presente no DNA desses mamíferos. Além disso, a equipe de Gage detectou a presença de proteínas produzidas apenas por neurônios “recém-nascidos”.
Graças a esse tipo de pesquisa, foi constatado que, em ratos adultos, a neurogênese acontece em cavidades cerebrais preenchidas com líquido cerebroespinhal. Curiosamente, o sistema nervoso começa a se desenvolver de maneira semelhante, na forma de um tubo vazio que se estende pelas “costas” do embrião. É a partir dele que os neurônios recém-formados criam, posteriormente, o cérebro e a medula espinhal.
E não são apenas ratos que apresentam evidências neurogêneses. No fim dos anos 90, foi descoberto que macacos adultos também geram novas células no hipocampo, região do cérebro considerada como a “sede da memória”. Obviamente, macacos são muito mais parecidos com humanos do que os ratos e, portanto, na época, essa notícia foi constatada com muito otimismo.
E quanto aos humanos?
Pode ser que nosso cérebro seja capaz de gerar novos neurônios, mesmo na fase adulta (Fonte da imagem: ThinkStock)A grande notícia veio quando a equipe de Gage pôde analisar os cérebros de cinco pessoas que tiveram câncer. Enquanto esses pacientes estavam vivos, os pesquisadores tiveram que injetar bromodeoxiuridina (BrdU), uma substância usada para detectar a proliferação de células em tecidos vivos, sendo muito útil para realçar tumores e permitir que os médicos visualizem melhor o estágio da doença. O interessante é que, após a morte desses pacientes, a BrdU foi detectada no hipocampo de todos os pacientes, sugerindo, portanto, que havia geração de novas células naquela região.
A descoberta se alastrou pelo mundo todo com muito otimismo, já que, a princípio, parece que o cérebro é muito mais adaptável a situações adversas do que a comunidade científica acreditava. Infelizmente, uma experiência como essa ainda não foi repetida. Porém, outras atestam o mesmo resultado.
O Gerd Kempermann, do Centro de Terapias Regenerativas de Dresden, na Alemanha, realizou uma pesquisa com 15 anticorpos diferentes, usados para detectar determinadas proteínas produzidas por neurônios recém-criados. Foram analisados os cérebros de 54 pessoas que morreram quando estavam perto de completar 100 anos de idade.
Ilustração de um neurônio (Fonte da imagem: ThinkStock)
Surpreendentemente, o resultado foi similar ao obtido anteriormente com cobaias de laboratório: a presença de indicativos evidenciando que novas células estavam sendo geradas no hipocampo. Em entrevista para a revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012, o Dr. Kempermann afirmou que apesar de a geração de células diminuir na medida em que a pessoa envelhece, é possível perceber essa atividade mesmo em seres humanos de idade avançada.
Além disso, também foi possível detectar a presença de células-tronco no cérebro do Homo sapiens. Essa descoberta só foi possível graças a pacientes que recorreram a uma cirurgia para tratar crises epilépticas. O tratamento consiste, basicamente, na remoção de partes do cérebro onde se originam essas convulsões, que normalmente se dão ao redor do hipocampo.
Assim, foi possível isolar o que pareciam ser células-tronco localizadas nessas amostras removidas. Apesar de essas células terem capacidade limitada de crescimento em laboratório, elas possuem a capacidade de gerar novos neurônios. Para os neurocientistas, isso é uma ótima notícia, já que esse “reservatório” de células poderia ser explorado para tratar derrames e doenças como as de Parkinson e de Alzheimer.
Neurogênese e ceticismo científico
Para a ciência, ainda faltam provas quanto à neurogênese em humanos (Fonte da imagem: ThinkStock)Como já era de se esperar, alguns cientistas se opõem à ideia de que a neurogênese seja possível em seres humanos adultos. Em um artigo publicado na revista Nature (vol. 478; pág. 333), o famoso neurocientista Pasko Rakic afirma que os dados encontrados em experimentos com camundongos não podem ser aplicados aos humanos.
Como se não bastasse, Rakic afirma que o uso de BrdU em experimentos como esses não é confiável, já que a substância pode induzir a divisão celular. Por isso, muitos testes agora são feitos com anticorpos que identificam proteínas geradas por neurônios novos, mas ainda não há um consenso quanto a quais proteínas podem identificar, com confiabilidade, a presença de neurônios recém-criados. Além disso, os experimentos que constataram a presença de neurogênese em macacos foram feitos apenas com BrdU.
Grosso modo, os cientistas que ainda veem a neurogênese com dúvida resumem a situação dizendo que não existem evidências de que tal fenômeno aconteça no córtex cerebral, que há evidências contraditórias para o caso do nascimento de novos neurônios no bulbo olfatório ― região do cérebro responsável pelos cheiros que sentimos ― e que as provas são limitadas no caso do hipocampo, cuja neurogênese parece diminuir à medida que a idade aumenta e não se sabe, ao certo, se a quantidade disponível poderia ser útil de alguma forma.
Pode ser que seja verdade a velha ideia de que o cérebro humano adulto não pode se regenerar. De acordo com Rakic e outros cientistas, é muito provável que, com uma idade avançada, nosso cérebro seja mais estável do que adaptável. Porém, mesmo assim haveria esperança para os pacientes com doenças ou lesões neurais: transplantar neurônios gerados em laboratório para o cérebro do paciente.
Infelizmente, a humanidade ainda tem um longo caminho para percorrer até que essas técnicas cheguem aos hospitais e clínicas do mundo todo. Mas é importante saber que já estamos dando os primeiros passos para que isso se torne realidade