20/11/2007
Isolados do seu grupo social, os três macacos caíram em uma depressão simiesca. Eles não sentiam mais prazer em nada. Perderam status e não pareciam se importar.
Pesquisadores da Universidade Columbia deram o antidepressivo Prozac a três outros macacos que foram separados do seu grupo, e eles não apresentaram sinais de depressão. Exames feitos mais tarde revelaram que em uma área-chave nos cérebros dos macacos - o hipocampo, uma estrutura com um formato de cavalo-marinho - diversas novas células haviam surgido.
O estudo preliminar, apresentado no início deste mês na conferência anual da Sociedade de Neurociências, adiciona a mais recente evidência científica a uma teoria importante sobre a depressão que vem ganhando ímpeto - e gerando polêmica - há vários anos.
A lógica da teoria é a seguinte: a depressão, que afeta pelo menos 19 milhões de norte-americanos por ano, pode estar relacionada não apenas a problemas envolvendo mensageiros químicos como a serotonina, mas também à própria estrutura do cérebro, incluindo os neurônios e as suas conexões.
A pesquisa sugere que o estresse e a depressão podem de fato provocar o encolhimento de partes do cérebro, e que qualquer coisa que tenha sucesso para amenizar a depressão - como exercício, medicamentos ou terapia de choque - parece estar ligada à criação de novos neurônios em áreas-chave.
O termo definidor desta teoria é "neurogênese" - significando a criação de novos neurônios -, mas até mesmo os seus defensores entusiasmados advertem que se trata apenas de uma teoria. Mas é revelador o fato de algumas companhias farmacêuticas já estarem se concentrando na neurogênese e em várias substâncias que a estimulam, na esperança de criarem melhores antidepressivos.
A teoria poderia explicar, por exemplo, por que drogas como o Prozac geralmente demoram semanas até fazer efeito, mesmo que modifiquem a química do cérebro em uma questão de horas: a explicação seria que é necessário mais tempo para a criação de novos neurônios. A teoria também é coerente com a descoberta de que, quanto mais tempo uma pessoa fica deprimida, menor é o seu hipocampo. E também com a constatação de que a depressão é capaz de prejudicar a memória e o aprendizado, que dependem em parte da formação de novos neurônios.
A depressão e outras desordens do humor poderiam de fato atuar no cérebro como se fossem versões suaves de doenças neurodegenerativas - Alzheimer ou Parkinson - , com a atrofia e a perda de células cerebrais produzidas por essas enfermidades, afirma o médico Ron Duman, professor de psiquiatria e farmacologia da Universidade Yale. Mas, segundo ele, há uma diferença fundamental: as doenças neurodegenerativas normalmente não são reversíveis. Já as desordens de humor são.
"A teoria tende a se encaixar com tudo", diz Tarique Perera, o psiquiatra que apresentou o estudo feito com os macacos. "Esta é a teoria capaz de explicar a questão dos neurotransmissores, dos hormônios do estresse, os problemas estruturais e até certos aspectos comportamentais no contexto da depressão".
E, segundo ele, pesquisas recentes geram uma nova e animadora possibilidade: o estímulo à neurogênese poderia não só curar a depressão, como também preveni-la.
A teoria da neurogênese baseia-se em descobertas surpreendentes feitas no final da década de 1990: ao contrário do antigo dogma segundo o qual os cérebros adultos estão totalmente desenvolvidos, os cientistas descobriram que o hipocampo humano, um centro de aprendizado e memória, continua fabricando novos neurônios durante toda a vida.
O pioneiro da neurogênese, o médico Fred Gage, do Instituto Sale, alerta para que não se simplifique exageradamente o vínculo com a depressão. Para ele, neste momento não está claro se o vínculo entre a neurogênese e a depressão é de fato uma relação de causa e efeito.
"Evidências obtidas a partir de várias abordagens de pesquisa sugerem que o aumento da neurogênese ajuda a aliviar a depressão, e que a redução da neurogênese pode exacerbá-la", diz ele.
Mas, como pode ser isso? Como é que o nascimento de novos neurônios poderia afetar o humor?
Muitos cientistas tendem a se esquivar de tal questão, e possíveis respostas continuam incompletas. Mas o vínculo conhecido entre a neurogênese e o aprendizado fez com que alguns pesquisadores especulassem que, em um estado deprimido, o indivíduo torna-se excessivamente concentrado nas coisas ruins, ficando incapaz de registrar as boas, e, que, de fato, essa incapacidade de mudar de foco se constitui em uma falha de aprendizagem.
Os pesquisadores também observam que embora o hipocampo seja visto como um eixo da memória, ele também parece influenciar a ansiedade e tem conexões com centros de emoções situados nas profundezas do cérebro límbico, podendo afetar a sua atividade.
Algumas pessoas sofrem de depressão tão grave que nenhum tratamento surte efeito. Segundo a teoria da neurogênese, parte do problema pode ser que, devido a alterações químicas ou estruturais nos cérebros desses indivíduos, eles não são mais capazes de produzir quantidades suficientes de novos neurônios. Mas a pesquisa ainda precisa investigar essa possibilidade.
A teoria da neurogênese também traz certas lacunas perturbadoras.
Na enorme conferência da Sociedade de Neurociências, realizada neste mês em San Diego, um desafio para a teoria foi apresentado por Shaw Kohler, pesquisador da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.
Em ratos, os neurônios levam de três a quatro semanas para amadurecer - mais ou menos o tempo que as pessoas com depressão demoram até sentir o efeito de um antidepressivo. Vários pesquisadores assumiram que tal período precisa ser o mesmo em humanos, mas Kohler descobriu que, em macacos, estas células cerebrais necessitam de longas 24 semanas para amadurecer.
"É de se esperar que nos humanos esse período seja ainda mais longo", afirma ele.
Alguns estudos, como o de Perera, revelaram que o bloqueio da neurogênese bloqueia também a ação protetora dos antidepressivos. "Mas recentemente surgiram outros trabalhos revelando que este nem sempre é o caso", diz Duman.
O que está claro é que existe uma evidência muito forte de que o aumento da neurogênese se constitui pelo menos em um indicador, ou um biomarcador, de que um tratamento antidepressivo está começando a surtir efeito, afirma ele.
Segundo os pesquisadores, também está claro que novas ferramentas capazes de provar se a teoria da neurogênese é verdadeira ou falsa surgirão rapidamente.
William Greenough, um proeminente cientista especializado em cérebro da Universidade de Illinois está começando a ser capaz de marcar neurônios em animais no momento em que as células nascem, e de acompanhá-las a partir dessa gênese.
E, neste mês, uma equipe de pesquisadores liderada por Grigori Enikolopov, do Laboratório Cold Spring Harbor, em Nova York, anunciou que, usando tecnologia vinculada ao mapeamento por ressonância magnética e a um marcador para as novas células, desenvolveu um método não invasivo para rastrear a neurogênese em seres humanos vivos. Essa ferramenta, que é a primeira com tal capacidade, poderá ajudar os pesquisadores a estudar mudanças nas células cerebrais em uma variedade de doenças, como depressão, câncer e derrame.
Se o método for bem-sucedido, os futuros psiquiatra s poderão usar sinais de neurogênese nos cérebros dos seus pacientes para afirmar rapidamente se um tratamento é ou não promissor, em vez de aguardar semanas, como atualmente precisam fazer com freqüência.
"É possível aplicar tal procedimento no consultório para acelerar o tratamento antidepressivo", afirma John Denninger, psiquiatra do Hospital Geral de Massachusetts que faz pesquisas relacionadas à neurogênese. "Dessa forma, elevaremos a probabilidade de realmente prescrever algo a uma pessoa que realmente faça com que ela se sinta melhor".
Tradução: UOL