Por Tânia Christina Leite de Sampaio e Spohr & Flávia Carvalho Alcantara Gomes
Os flavonoides são compostos polifenólicos, de baixo
peso molecular, hidrossolúveis, presentes nos vacúolos de células de
diversos vegetais. Esses compostos fazem parte da dieta normal humana,
uma vez que podem ser encontrados naturalmente em frutas, vegetais,
chás, vinhos, sementes e raízes. Mais de quatro mil compostos
flavonóides distintos são descritos até o momento.
Nos vegetais, os flavonoides desempenham
uma variedade de funções como bloqueio da radiação ultravioleta extrema
permitindo a passagem seletiva de luz nos comprimentos de onda
importantes para a fotossíntese, atuam como sinais visuais atraindo
animais polinizadores e regulam o crescimento vegetal.
Mas o que estes compostos essenciais para os vegetais, representam para o reino animal?
Nos últimos anos, o interesse pelos
aspectos farmacológicos e bioquímicos dos flavonoides tem crescido
substancialmente, uma vez que membros dessa família isolados de
diferentes plantas revelaram uma variedade de efeitos biológicos em
mamíferos, inclusive nos seres humanos. Destacam-se, dentre outras,
propriedades anti-bacterianas, anti-fúngicas, anti-viróticas,
anti-tumoral; atividade hepatoprotetora, anti-ulcerogênica,
anti-oxidante, anti-hipertensiva, hipolipidêmica, anti-plaquetária,
anti-alérgica, anti-inflamatória e anti-angiogênica. Essas propriedades
fazem com que muitos desses compostos venham sendo usados na medicina
popular de diversos países, inclusive do Brasil.
O crescimento exponencial de Doenças
Neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, aliado ao tratamento
ainda ineficaz dessas enfermidades, tem estimulado os pesquisadores a
procurarem fármacos alternativos capazes de restaurar o sistema nervoso
lesado. Recentemente, compostos flavonóides têm sido apontados como
potenciais candidatos ao tratamento de Doenças Neurodegenerativas,
especialmente por sua atividade anti-oxidante e neuroprotetora. No
entanto, apesar do crescente interesse por essas moléculas, pouco se
sabe a respeito dos mecanismos moleculares de ação e alvos celulares
desses compostos.
Com o objetivo de compreender essas
questões, o grupo de pesquisa liderado pela Prof. Flávia Gomes do
ICB/UFRJ, em colaboração com a Profa. Sílvia Costa da Universidade
Federal da Bahia, estudou o efeito do flavonóide casticina, extraído da
espécie Croton betulaster, presente na região da Chapada Diamantina, no
estado da Bahia (Figura 1), na diferenciação e maturação de neurônios do
córtex cerebral. O estudo contou ainda com a participação da Profa.
Cláudia Benjamim do ICB/UFRJ. Para isso, o grupo utilizou uma
metodologia de cultura de células do sistema nervoso de roedores que
procura mimetizar as interações celulares in vivo. Dentre estas,
destacam-se as que ocorrem entre neurônios e seus principais parceiros,
os astrócitos.
Os astrócitos são células que
desempenham diversas funções no cérebro incluindo: manutenção dos níveis
de íons no meio extracelular, captação de neurotransmissores,
suprimento de suporte metabólico para os neurônios e de fatores tróficos
essenciais para a sobrevivência e maturação neuronal.
O grupo de pesquisadores investigou a
ação da casticina diretamente nos neurônios (cultura pura de neurônios),
assim como sua ação indireta, via astrócitos (cocultura
neurônio-astrócito), nos progenitores neuronais. O estudo, recentemente
publicado na revista Journal of Neuroscience Research, demonstrou que a
casticina apresenta um efeito neuroprotetor, diminuindo a morte de
neurônios do córtex cerebral de ratos. Além disso, o trabalho revelou um
novo mecanismo de ação do flavonóide casticina em células do sistema
nervoso central: astrócitos tratados por casticina produzem uma
substância, ainda não identificada, capaz de proteger progenitores
neuronais da morte.
Desta forma, os dados sugerem que o
flavonóide possa influenciar a população neuronal por dois mecanismos
distintos: 1. indiretamente, via astrócitos, modulando o pool de
progenitores neuronais; 2. diretamente, nos neurônios, protegendo-os da
morte (Figura 1). Atualmente, o grupo dedica-se a estudar os mecanismos
de ação da casticina na maturação neuronal e formação de sinapses no
sistema nervoso central.
O Brasil é o país com maior biodiversidade vegetal do mundo. Inúmeras espécies de plantas brasileiras e seus derivados ainda não foram descobertos e estudados. A caracterização de novos compostos fitoterápicos naturais poderá representar uma alternativa importante para o desenvolvimento de novos medicamentos capazes de contribuir para a regeneração do sistema nervoso pós-injúria.
Tânia Spohr foi aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas da UFRJ (PCM) sob orientação da Profa. Flávia Gomes e, atualmente, é bolsista de Pós-Doutorado do CNPq no Laboratório de Neurobiologia Celular do ICB.
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|
Figura 1: Efeito da casticina nos
neurônios: efeito direto ou indireto mediado por astrócitos. O
flavonóide casticina, derivado da planta brasileira Croton betulaster,
aumenta a população neuronal de duas formas: diretamente [1], a
casticina protege os neurônios pós-mitóticos da morte; nos astrócitos,
este flavonóide [2] induz a secreção de fatores solúveis, ainda não
identificados, que aumentam a sobrevida de progenitores neuronais [3].
Ambas as vias geram um aumento da população de neurônios pós-mitóticos
[4]. |
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